Marco Temporal: entenda a tese, as leis envolvidas e a disputa política
O Marco Temporal é uma tese jurídica que propõe que os povos indígenas só têm direito à demarcação de terras que estavam sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Essa interpretação passou a ser discutida no âmbito jurídico e político nas últimas décadas e gerou grande mobilização nacional por parte de lideranças indígenas, ruralistas, juristas e parlamentares.
Base jurídica e a Constituição de 1988
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 231, reconhece aos povos indígenas “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, e determina que a União deve demarcar e proteger esses territórios.
Art. 231 – §1º: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.”
A tese do Marco Temporal não está expressa na Constituição. Ela surgiu de interpretações feitas, especialmente por setores do agronegócio e por juristas ligados à bancada ruralista, como tentativa de limitar a expansão de terras indígenas.
Julgamento no STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar a tese em 2021 no Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que trata da posse de terras indígenas em Santa Catarina, envolvendo o povo Xokleng. O processo foi reconhecido como de repercussão geral, ou seja, a decisão terá impacto em todos os processos similares no país.
Em setembro de 2023, por maioria, o STF rejeitou a tese do Marco Temporal, afirmando que ela restringe os direitos constitucionais dos povos indígenas. Para o tribunal, o direito às terras tradicionais não depende da presença física em 1988, já que muitos povos foram expulsos ou impedidos de ocupar seus territórios por décadas.
Reação do Congresso: PEC e Projeto de Lei
Apesar da decisão do STF, o Congresso Nacional reagiu aprovando a PL 2903/2023, que visa estabelecer o Marco Temporal por meio de lei ordinária. A proposta foi aprovada:
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Na Câmara dos Deputados em maio de 2023, com forte apoio da bancada ruralista.
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No Senado Federal em setembro do mesmo ano.
Além disso, tramita no Congresso a PEC 215/2000, que propõe que a competência para demarcação de terras indígenas seja transferida do Executivo para o Legislativo — o que é amplamente criticado por lideranças indígenas e organizações internacionais, por abrir margem à politização do processo.
A PEC ainda não foi aprovada em definitivo, mas é considerada ameaçadora aos direitos constitucionais indígenas.
Impactos e controvérsias
Para os povos indígenas:
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O Marco Temporal representa risco de perda de direitos territoriais históricos.
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Pode inviabilizar reivindicações de terras onde povos foram expulsos antes de 1988.
Para o setor ruralista:
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A tese é vista como forma de garantir segurança jurídica para propriedades rurais estabelecidas em áreas contestadas.
Conclusão
A disputa em torno do Marco Temporal envolve interpretações constitucionais, pressões políticas, interesses econômicos e direitos humanos. A decisão do STF representa um avanço na proteção aos povos originários, mas a aprovação de leis e PECs contrárias à decisão mantém o tema vivo e polarizado no cenário político brasileiro.
Fontes de apoio:
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Constituição Federal de 1988 – Art. 231
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Recurso Extraordinário 1017365 – STF
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Projeto de Lei 2903/2023
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PEC 215/2000 – Câmara dos Deputados